Eu sei que estamos falando de algo muito delicado. É possível que, hoje, você seja adulto e carregue dentro de si uma necessidade de perdoar (ou de ser perdoado) durante a vida inteira. São vinte, trinta, quarenta anos com um nó na garganta, com um peso que não é seu, mas que está sobre você.

Há resistência a perdoar. Muitas vezes essa resistência é consciente, resistimos por orgulho ou por necessidade de demonstrar força. Mas há outras resistências mais sutis, menos conscientes, que desenvolvem em nós ações incondizentes ao perdão. Esses sentimentos e emoções precisam ser entendidos e trabalhados, caso contrário não seguiremos o caminho do perdão.

Tais sentimentos e emoções são como pedras no caminho de quem deseja desenvolver a maturidade e a capacidade de perdoar. A decepção, a mágoa, a raiva, o ressentimento, a tristeza e o orgulho são algumas dessas pedras. Vamos olhar cuidadosamente para cada uma delas:

DECEPÇÃO

A decepção é a última ponta da Tríade do Desequilíbrio Emocional, composta por expectativa, frustração e decepção.

A decepção nasce da frustração, e esta, por sua vez, surge a partir de uma expectativa que não foi atendida. As expectativas são criadas a todo momento, como quando começamos um novo curso, entramos na faculdade com a qual sempre sonhamos, começamos um namoro ou apenas saímos de casa pela manhã. Elas são a força motriz que faz a vida acontecer, pois sem expectativas não pensamos em mudar de área profissional ou de cidade, por exemplo. Até mesmo a forma como nos vestimos transmite nossa intenção diária. Quem nunca olhou uma roupa em alguma vitrine e imaginou os lugares aonde iria com ela? Isso é expectativa.

Quando a cultivamos em nossa mente e ela não dá certo, nos frustramos. A frustração é uma insatisfação provocada pelo impedimento ou a impossibilidade de atingir objetivos. Convido você a refletir por um instante: quando você olha uma roupa em uma vitrine, decide entrar na loja e a roupa não lhe cai bem, não tem seu número ou simplesmente está muito além das suas possibilidades financeiras, você fica frustrado? E essa frustração é equivalente à frustração de quando você não ganha aquela promoção profissional pela qual tanto lutou? E quando você se depara com uma mentira de alguém que você ama? Seu sentimento de frustração é sempre o mesmo ou ele varia de acordo com cada situação à qual você está exposto?

PSC

As frustrações são diferentes, assim como as decepções. É provável que, assim que sair da loja, você já tenha se esquecido da roupa da vitrine. Mas, e quando o casamento não dá certo? De que forma administramos nossas decepções diárias?

A decepção que sentimos quando alguém nos fere pode se transformar em mágoa, raiva, ressentimento e nos causar profunda tristeza. Tudo depende de como reagimos diante dela.

Especialistas afirmam que a decepção é mais presente na vida de pessoas otimistas do que de pessimistas. Isso acontece porque otimistas criam mais expectativas que pessimistas. Otimistas acreditam mais nos resultados e, por isso, eles se frustram mais. Contudo, apesar da decepção, o otimista não se deixa abater. Ele cai e se levanta em seguida, pois acredita verdadeiramente que as quedas e frustrações são oportunidades de recomeçar e fazer tudo de uma forma melhor do que antes. Pessoas otimistas veem no fracasso a oportunidade de experimentar algo novo, de recomeçar e de evoluir.

MÁGOA

Em seu uso antigo, a palavra “mágoa” significava “mancha visível na pele provocada por alguma contusão ou lesão”. Seu uso comum nos dias atuais ainda carrega a essência desse significado, pois “mágoa” continua sendo um ferimento, mas agora o ferimento é mais profundo, manifesta-se em forma de tristeza e pesar, além de se fazer presente nas palavras, nos gestos e na forma de agir das pessoas feridas.

Mágoa é uma sensação que pode durar longos períodos, principalmente se ela for causada por alguém que queremos muito bem. A duração da mágoa é proporcional à intensidade do amor que sentimos pelo outro e à expectativa que criamos sobre o sentimento do outro.

Quando somos traídos ou enganados por quem amamos, seja um cônjuge, um amigo ou um familiar, nos sentimos magoados. Entretanto não somos enganados, passados para trás, desrespeitados ou traídos apenas uma única vez na vida. Isso acontece muitas e muitas vezes, e, se esse sentimento não é totalmente curado, a ferida continuará existindo e aumentando cada vez mais.

Pense em um ferimento físico, como um corte na pele. Se tomarmos todos os cuidados, colocarmos curativos, dermos tempo para a pele cicatrizar o machucado, ele logo desaparerá. Contudo, se, de tempos em tempos, machucarmos o mesmo local, a ferida nunca vai cicatrizar. Ou melhor, sempre haverá uma ferida sobre outra ferida, o que piorará seu estado inicial.

A mágoa é como essa ferida. Se não for curada, se tornará um veneno para a nossa saúde. E o que cura a mágoa? O que precisamos fazer para que a mágoa não cresça dentro de nós?

Esquecer e “deixar pra lá” podem soar como uma boa solução num primeiro momento, mas empurrar a sujeira para debaixo do tapete pode deixá-la apenas escondida. Contudo, com o tempo, será impossível não perceber o acúmulo que se formou e, talvez, quando a mágoa acumulada for percebida, ela já tenha evoluído para um sentimento muito mais intenso e difícil de lidar: a raiva.

RAIVA

Vamos começar a reflexão sobre a raiva com uma pergunta: você já perdeu a razão? Talvez seja uma pergunta muito fácil de ser respondida, porque muitas pessoas já se viram em algum momento da vida tomadas por emoções intensas que pareciam não ter fim.

No entanto, qual a relação da perda da razão com a raiva? A raiva é um sentimento que nasce em nosso sistema límbico quando nos sentimos injustiçados, envergonhados ou humilhados. Quando o sistema límbico é estimulado, a parte do cérebro que controla a racionalidade, nomeada córtex pré-frontal, para de funcionar como de costume, e a raiva se manifesta.

A raiva é um sentimento que permeia a vida dos seres humanos desde os primórdios do tempo. Quando estamos sob muito estresse, entramos em um modo de batalha, que nos faz ficar mais violentos diante de situações as quais nosso cérebro passa a entender como perigosas.

Quando estamos com raiva, falamos coisas que não falaríamos em momentos de tranquilidade e temos atitudes que até seriam difíceis de acreditar, se não estivéssemos vendo nosso próprio corpo agir.

Quando somos tomados pela raiva, as características físicas dessa emoção se destacam como, por exemplo, o aumento da temperatura corporal, vermelhidão na face e no pescoço, e tremedeira. Isso quer dizer que a raiva tem os seus efeitos no corpo, assim como qualquer outra emoção. Além das consequências corporais, ela aumenta as sensações ruins e pode provocar rachaduras graves nas relações.

Seja como for, é importante recuperarmos a razão que nos foi tirada diante de um momento de raiva. Para isso, podemos contar até dez, respirar fundo e pausadamente, esperar e pensar. Já percebeu como a vontade de falar passa depois de um tempo em que permanecemos em silêncio? Não torne a situação maior do que ela é, não faça a famosa “tempestade em copo d’água”. Pense em coisas boas e lembre-se de que a raiva é passageira. Ela, comprovadamente, passa após 90 segundos.

Aproveite enquanto respira e pense sobre o motivo que te levou a ter raiva. A causa tem o mesmo tamanho da consequência? O sentimento que experimentamos tem o mesmo tamanho do que causou o sentimento? A partir do momento em que você reflete sobre a situação, você a gerencia de forma positiva, e até a expressão verbal de seu descontentamento fica mais branda.

Quando olha para a situação, você consegue perceber o que se esconde por trás da raiva? É medo? Culpa? Necessidade de manipular o outro ou de obter reconhecimento? É uma rejeição ou sentimento de impotência? Será que é a raiva que sentimos de nós mesmos? O que a sua raiva está “camuflando”? O que você pode aprender com ela?

RESSENTIMENTO

É sempre interessante pensar na origem das palavras e nas partes que compõem seu todo. Sendo assim, o que é ressentimento?

Dentro do verbo “ressentir”, há a palavra “sentir”, que pode ter muitos significados, como “ter a sensação”, “adivinhar”, “sofrer” e “perceber”. Fiquemos apenas com o “sofrer”. A Língua Portuguesa, maravilhosa em sua infinitude de possibilidades, possui o prefixo “-re” para mostrar o sentido de algo que se repete, uma ação que acontece de novo. Assim, ressentir é sentir novamente e, se tomarmos “sofrer” como sentido, ressentir é sofrer novamente, como um ciclo que não gera vida, mas angústia.

O ressentimento, na maioria dos casos, é associado a ocasiões ruins. Dificilmente nós remoemos sentimentos bons, porque os sentimos e pronto. Não é comum nos atentarmos a situações de pura felicidade, porque, quando aparecem, nos invadem com toda sua energia positiva e apenas nos deixamos levar pelo prazer de senti-las.

Talvez o motivo pelo qual momentos desagradáveis voltam sempre a nossa mente seja o fato de querermos usá-los como moeda de troca contra a pessoa que nos deixou mal ou desejarmos conseguir a compaixão de outras pessoas. Porém “jogar na cara” algo que aparentemente já havíamos superado não parece ser uma atitude madura. Será que vale realmente a pena carregar um sofrimento só para que, num momento oportuno, possamos usá-lo contra quem nos magoou?

O ressentimento pode e deve ser superado, pois não devemos nos apegar a mágoas que desestabilizam nossa vida emocional, espiritual e até nossa saúde física. Se vamos ressentir algo, que seja o sentimento daquele verão rodeado de amigos e familiares, pois ressentir algo ruim é corrosivo e faz mal à saúde mental, física e espiritual.

TRISTEZA

Falar da tristeza sem mencionar a alegria é uma tarefa difícil. Como já nos mostrou o filme Divertidamente, o que seria dos momentos felizes sem os tristes? Talvez seja mais adequado pensar que a alegria e a tristeza são como duas amigas muito próximas que passam por todos os momentos juntas. O poeta Vinicius de Moraes escreveu “É melhor ser alegre que ser triste / Alegria é a melhor coisa que existe / É assim como a luz no coração”, mas será que é melhor mesmo?

Nossa sociedade contemporânea vem tentando cada vez mais suprimir a tristeza. Não há espaço para tristonhos nos dias de hoje. Seja através de medicamentos, consumo desenfreado de bens materiais, abuso de álcool ou outras drogas, essa tentativa de abolir a tristeza se faz cada vez mais presente.

Temos percebido um aumento significativo, nos últimos anos, de uma doença muito grave: a depressão. A depressão representa um quadro patológico que necessita de tratamento e, muitas vezes, de medicamentos. Apesar disso, no seu cotidiano, você já deve ter se deparado com diversas pessoas utilizando a palavra “depressão” de forma vaga, geralmente como sinônimo de tristeza ou melancolia. Porém tristeza e depressão não são a mesma coisa.

É fundamental destacar que, em termos gerais, a tristeza é um sentimento natural a todos os seres humanos. Momentos de tristeza e de baixa autoestima são perfeitamente normais na vida de qualquer um. Temos que entender que a tristeza faz parte de nossas vidas e de nossa condição humana. O que é verdadeiramente importante é a forma com que lidamos com esses sentimentos que emergem dentro de nós.

Tristeza é um sentimento que pode surgir tanto de estímulos externos, como momentos de dificuldade, perda de pessoas queridas ou rompimentos, quanto de estímulos internos, como recordações e memórias. Essa oscilação é uma resposta natural da mente humana e faz parte do cotidiano de todas as pessoas, já que todos nós alternamos entre os polos de felicidade e tristeza muitas vezes em apenas um dia.

Para entendermos melhor a tristeza, vamos voltar um pouco à história da humanidade. Após a Revolução Francesa e a Instituição da Democracia Americana, a felicidade foi colocada como obrigação para todos, contudo a própria busca incessante por ela pode se transformar em angústia, tristeza, culpa e decepção, já que até sobre a felicidade nós criamos expectativas.

Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia, afirma que a tristeza proporciona a quem a sente um momento de reflexão, de voltar o olhar para dentro de si mesmo, e em meio ao turbilhão de sentimentos, a capacidade de se conhecer melhor, saber mais sobre seus gostos e o que realmente lhe proporciona o tão desejado sentimento de felicidade.

Um dos pilares do budismo é o princípio de que tudo é passageiro. Portanto, se as coisas estão ruins, no momento seguinte elas podem ficar boas. Por esse ponto de vista, a tristeza passa a ser apenas um trecho da estrada chamada Vida. Como o próprio Vinicius de Moraes, no Samba da Bênção, completou, “Mas pra fazer um samba com beleza / É preciso um bocado de tristeza”, para que haja equilíbrio em nossas vidas. Além dos momentos de alegria e felicidade, precisamos de um bocado de tristeza, pois é ela que nos mostra e prova o valor e a beleza da vida.

ORGULHO

O sentimento de orgulho pode ser um grande obstáculo a ser superado quando decidimos exercitar o perdão. Primeiramente, vamos esclarecer um pouco o significado dessa palavra. O que significa orgulho? Se abrirmos um dicionário, vamos perceber que existem dois significados que carregam valores muito diferentes. Orgulho pode significar ao mesmo tempo uma coisa positiva e uma coisa negativa.

Em sua acepção positiva, a palavra “orgulho” pode ser usada com o significado de um sentimento de estima e de respeito por valores tanto pessoais como por pessoas próximas. Um pai que sente orgulho de seus filhos é uma forma positiva de manifestar esse sentimento. Pode também ser usada para mostrar satisfação em relação a obras e tarefas realizadas como, por exemplo, quando alguém diz “tenho orgulho do meu emprego”. Esse sentimento, quando se manifesta dessa forma, é algo positivo.

Por outro lado, você deve se lembrar de que nem sempre usamos a palavra “orgulho” dessa forma. Muitas vezes ela não significa respeito nem valorização pessoal. Ela possui também um sentido negativo, ou pejorativo, pois pode denotar arrogância e soberba. Por exemplo, uma pessoa muito orgulhosa pode se considerar melhor que todas as outras.

O orgulho leva ao egoísmo, constituindo assim um obstáculo no caminho do perdão. Esse sentimento de orgulho dificulta o perdão pois cria um amor-próprio frágil. O orgulho pode fazer o indivíduo associar o perdão com a perda de sua dignidade, acreditando que conceder o perdão a alguém que lhe fez alguma injustiça seria como se entregar. O orgulho é, portanto, uma faca de dois gumes.

Esse orgulho negativo deve ser substituído pela humildade. Afinal, como já vimos, o perdão não é uma concessão a nossa custa para o outro que “merece” ou “não merece” ser perdoado. O perdão é uma concessão para nós mesmos, para nos desvencilharmos de sentimentos que atravancam a nossa própria vida.

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