Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde, concluída em fevereiro de 2017, apontou que cerca de 5,8% dos brasileiros, mais de 11,5 milhões de pessoas, sofrem de depressão. Embora o documento da OMS não seja claro a respeito de qual foi o critério para diagnosticar essas pessoas, são números que saltam aos olhos, já que são os mais altos da América do Sul e estão entre os mais altos do mundo.
Se é difícil apontar com precisão quais as causas do quadro depressivo de uma única pessoa, essa dificuldade aumenta muito quando colocada em perspectiva nacional. Mas existem algumas coisas que podem ser ditas a respeito de aspectos e tendências que quase todos nós experienciamos em nossos contextos e que podem contribuir bastante para a manutenção e até o aumento desses números.
Por exemplo: quantas vezes você compartilhou uma ideia ou um sonho que tinha ou tem com alguém e ouviu em resposta algo do tipo “isso não vai dar certo”, “pare de inventar coisas”, ou uma enumeração da quantidade inacreditável de coisas que poderiam dar errado? Muitas vezes isso parte de pessoas próximas, que nos respeitam e querem nosso bem, e atitudes como essa podem ser vistas como tentativas de nos proteger; outras vezes, parte de pessoas que têm receio — consciente ou não — de ver alguém próximo produzindo e evoluindo, prevendo o desconforto que sentiriam com elas próprias se não conseguissem fazer o mesmo.
Certamente, quando tentamos realizar qualquer ideia ou sonho, há muita coisa que pode dar errado. Mas qual seria a solução para isso? Só partir para a ação quando tiver plena certeza de que nada poderá se desviar do plano? Esperar, tentar desenvolver a ideia perfeita ou ter o sonho perfeito? Essa não parece ser uma boa estratégia. Mais: mesmo que você consiga conceber a ideia perfeita, quem garante que sua avaliação corresponde à realidade? E se você simplesmente não conseguiu imaginar ou visualizar os erros dela?
Não se trataria, portanto, de encorajar de maneira ingênua os sonhos das pessoas. É preciso ter consciência das possibilidades; é preciso, inclusive, ter consciência de que algo que nem se imaginava pode acontecer. Mas o receio dos possíveis erros não pode ser uma justificativa para não agir, nem para aconselhar a não agir, muito menos para tentar dissuadir outras pessoas de seus próprios sonhos.
Outra atitude muito comum: suponha que você conheça uma pessoa que, aos 30 anos, é médica, tem excelente aparência, toca violino e piano e foi convidada para atuar em um dos maiores hospitais da Suíça. Quantas pessoas no seu círculo mais próximo comentariam a respeito dela coisas do tipo “nunca teve que trabalhar na vida”, “quem tem dinheiro é outra história”, “ela nem é tão bonita assim” ou pior?
Ninguém gosta de se sentir inferior. O tema dos irmãos hostis, que se repete em tantas histórias e tem sua versão mais conhecida no Brasil no assassinato de Abel por Caim, pode nos fazer refletir muito a esse respeito. Não é como se Caim não tivesse tentado: ele fez seus sacrifícios, e há várias interpretações sobre o porquê de eles não terem sido aceitos por Deus. Mas a atitude de Caim diante de seu insucesso e do sucesso de seu irmão foi revoltar-se com o Criador e assassinar Abel. Querendo ser como o irmão sem consegui-lo, Caim não assassina apenas Abel, mas mata também, no plano simbólico, seu próprio ideal, aquilo que queria ser. E o que isso tudo tem a ver com depressão no Brasil?
Nós temos, grosso modo, dois grandes grupos de emoções: as positivas e as negativas. As positivas, mediadas sobretudo por dopamina e serotonina, são meios que nosso cérebro adquiriu ao longo da evolução para guiar nosso comportamento em direção a uma meta, um propósito. Sem propósito, sonho, ideal, as possibilidades de emoção positiva, que nos impele para frente, para a aventura, ficam muito reduzidas, e predominam as emoções negativas (como medo, ansiedade, angústia, dor), voltadas para a sobrevivência e a autopreservação.
É muito comum, portanto, vermos pessoas atacando os ideais de parentes e amigos mais próximos (talvez no intuito de protegê-los); comum também é vermos pessoas que atacam os próprios ideais, enxergados nas figuras de muito sucesso, que obtiveram um sucesso que elas próprias queriam ter, como fez Caim em relação a Abel. Não é exagero dizermos que essas atitudes fazem parte de nosso cotidiano; você acha que isso pode contribuir para os números altos de depressão em nosso país?
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