Relacionamentos constituem o núcleo essencial da vida em sociedade. Relacionamo-nos com nossas famílias, nossos vizinhos, comerciantes, professores, e também com o próprio espaço geográfico que ocupamos. O ser humano é feito de encontros. Muitas citações me vêm à cabeça quando penso nisso. O poeta Vinicius de Moraes, por exemplo, deixou o seguinte verso em seu Samba da Benção:

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”

Ainda que nem todos os relacionamentos possam ser considerados qualitativamente “bons”, é deles que depende a nossa vida. Nossa própria sobrevivência é inteiramente dependente dos vínculos primários que estabelecem conosco, desde nosso nascimento, quando sequer temos clareza do que significa se relacionar, até os vínculos que nós buscamos ativamente quando adultos, como trabalho, amigos, cônjuges, etc.

Sem esse vínculo primário, esse que se desenvolve entre mãe e filho não é possível que um bebê sobreviva, se desenvolva e se torne uma pessoa. Isso é, afinal, o que define o ser humano: somos seres relacionais. Essa ideia, aliás, não é nenhuma novidade, embora não seja devidamente conhecida e apreciada de forma prática.

Neste capítulo abordaremos algumas contribuições da psicologia referentes aos relacionamentos humanos. Adoto como ponto de partida a própria ontogênese humana: como surgem e como se desenvolvem os vínculos objetais e interpessoais, desde o nascimento até a idade adulta.

Quando disse que a ideia do ser humano enquanto um ser relacional não é nova, eu pensava especificamente na Política de Aristóteles. O filósofo grego, há mais de dois mil anos atrás, já tinha em sua filosofia a clareza de que o homem é um ser social. O que faz o homem é o próprio homem. Quero dizer que, nós nos tornamos humanos através de outros humanos. Precisamos ser convocados, socialmente, a sermos humanos. Por isso não é possível conceber o humano fora de sociedade. A própria perpetuação da espécie depende de aspectos relacionais: a reprodução humana só é possível através de uma união entre um homem e uma mulher.

Essa necessidade de união se refere, obviamente, à reprodução natural. Atualmente, graças ao avanço da medicina e das ciências biológicas em geral, já dispomos de meios de fertilização artificial. Embora dispensem a união sexual concreta entre macho e fêmea de uma espécie, esses métodos continuam sendo também relacionais, visto que dependem de conhecimentos adquiridos em conjunto ao longo de muitos anos de estudo, além de ser necessário que exista uma comunidade específica de seres humanos capazes de assimilar e aplicar esses conhecimentos.

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É nesse sentido que Aristóteles concebe o homem como “animal político”. O homem é o único animal que possui o dom da fala, ou seja, a linguagem verbal. É, portanto, o único animal capaz de se transformar e ser transformado socialmente. A dimensão social não é apenas consequência de contingencias ambientais, mas antes faz parte da própria natureza humana. A vida em sociedade é o modo natural da vida humana.

Tomei a liberdade de fazer esse pequeno grande salto temporal, de caráter meramente introdutório, para mostrar que a ideia da disposição natural do homem para relacionamentos já existia antes da psicologia enquanto ciência, tal como a concebemos nos dias de hoje. Foi um pequeno salto por ter sido breve, porém grande pela ousadia de tentar relacionar teorias separadas por mais de dois mil anos de história. Daqui em diante, abordaremos mais detalhadamente essas questões a partir de um viés psicológico.

PSICOLOGIA RELAÇÕES

A psicologia é uma ciência que, a grosso modo, estuda o comportamento humano. Esses comportamentos podem ser individuais ou coletivos, públicos ou privados, conscientes ou inconscientes, internos ou externos, etc. Embora seja um campo específico da ciência, não existe somente “uma” psicologia: existem muitas psicologias. Dentro dessa área de conhecimento, subsistem muitas vertentes que estudam fenômenos que podem coincidir ou não. Os métodos utilizados também são muito diferentes e variados, dependendo da vertente. A psicologia experimental, por exemplo, irá priorizar a observação direta de comportamentos públicos, ao passo que a psicologia social irá focar na interação humana, processos grupais, etc.

Embora existam essas divergências com relação ao método de investigação, acredito que existe um consenso no que diz respeito ao caráter social do homem. O homem é compreendido como um ser social, isso quer dizer um ser marcado pelas relações nas quais sua vida está inscrita.

As relações e relacionamentos são fundamentais para a psicologia social, em particular, porque dizem respeito a algo que não se encontra em um ou outro indivíduo especificamente, mas sim entre os indivíduos. Assim, podemos pensar que o ser humano é um ser relacional, pois são as relações que definem o caráter social e psicológico de cada um.

Essas relações são processos dinâmicos e interpretativos da própria realidade. As relações inserem ou excluem indivíduos através de laços e vínculos que podem ser tanto institucionais, afetivos, jurídicos, etc. A vida coletiva e individual se inserem no meio desse processo, o que nos permite pensar que não só a sociedade, mas também cada um de nós é uma teia de relações.

As relações não são, portanto, fenômenos estáveis, mas antes um conjunto de processos dinâmicos através dos quais se torna possível exprimir a vida coletiva e individual.

Agora que temos ao menos um vislumbre da profundidade dessa questão, podemos partir para um aspecto mais especifico das relações: as interações. As relações assumem formas de interação determinadas principalmente posições sociais ocupadas, criando assim uma distância ou uma proximidade social. Comumente divide-se as inúmeras modalidades de relações em três formas principais: 1) as relações interpessoais, 2) as relações institucionais e 3) as relações sociais[1].

Essa divisão é principalmente ilustrativa e não necessariamente exclusiva, pois toda relação é sempre social, por exemplo, assim como as relações institucionais são também sociais e podem ser interpessoais, num sentido mais amplo. Neste capítulo, nosso interesse maior é investigar as contribuições da psicologia referentes a relações interpessoais. Porém, para esclarecer melhor essa questão, explicarei agora apenas brevemente cada uma dessas formas de relação. Mais adiante, retomaremos com mais detalhes o desenvolvimento e o estabelecimento das relações interpessoais afetivas.

  1. As relações interpessoais

A forma mais direta e mais facilmente observável de relação humana é a interpessoal. Esse tipo de relação diz respeito a interação entre duas ou mais pessoas e os sentimentos das pessoas inseridas nessa situação. Dois temas amplamente pesquisados sobre relações interpessoais são justamente o desenvolvimento das relações (como surgem, como se estabelecem e quais fatores influenciam esses processos) e as relações afetivas (amizade, matrimônio, etc).

Com relação ao desenvolvimento das relações interpessoais, inúmeros fatores entram em jogo: fatores culturais, de personalidade, socioeconômicos, etc. Esse processo se inicia desde o nascimento, a partir do vínculo com os pais, como veremos mais a fundo com a Teoria do Apego.

Dentre os fatores que predominam nas relações interpessoais entre adultos, pesquisas recentes têm mostrado que a aparência física é um importante elemento de atração interpessoal em praticamente todas as culturas. Um estudo

[1] Para maiores detalhes sobre essa divisão, ver: Fischer, G-N., (1999). Le concept de relation en psychologie sociale. Recherche en soins infirmiers, nº 56, 1999/03, p. 4-11, réf. 1p., ISSN 0297-2964.

realizado na Universidade de Minnesota por Elaine Walster, Vera Aronson, Darcy Abrahams e Leon Rottman[1] revela que os homens atribuem maior valor à aparência física, enquanto as mulheres consideram as atitudes e os interesses comuns como fatores mais importantes.

Para compreender melhor esses dados, precisamos também levar em conta duas coisas: primeiro que existem estereótipos de beleza em cada cultura. A atratividade física não é universal, mas antes qualificada social e culturalmente. Em segundo lugar, existe uma tendência a associar a atratividade com outros fatores como interesses comuns, amabilidade, generosidade, etc. Em outras palavras, quanto mais se gosta de alguém, mais essa pessoa se torna atraente.

Outro tema relevante na psicologia para o estudo de vínculos interpessoais são justamente as relações afetivas. As relações afetivas são aquelas em que a dimensão de afeto prepondera sobre outros aspectos, como por exemplo as relações entre pais e filhos, namorados, casais, entre outros. Três componentes essenciais entram em jogo: o apego, a afeição e a intimidade. Em alguns casos, entretanto, essa dimensão afetiva é formalizada e institucionalizada, como por exemplos no casamento, quando ocorrem cerimonias religiosas e contrato de matrimonio.

Estudos têm mostrado que as relações conjugais tendem a se desgastar com o tempo. Esse desgaste se mostra de maneira similar em quase todos os casos: com o tempo ocorre uma atenuação dos sentimentos amorosos e do desejo sexual. Essa atenuação pode levar a uma relação maior de amizade ou a um sentimento de desilusão.

Nesses casos passam a atuar muitas expectativas, frustações e desejos conflitantes. Uma relação de longa duração só existe quando existe uma forte motivação em manter essa relação. Pesquisadores chegaram a classificar essas motivações em dois grupos: os motivos intrínsecos e os extrínsecos.

Uma motivação intrínseca se baseia em fatos internos do próprio relacionamento, como as vivências compartilhadas, o prazer e a satisfação obtidos em função da relação. Uma motivação extrínseca é quando o relacionamento é mantido por razões externas, como por exemplo comodidade, motivos financeiros, expectativas familiares, etc.

Os pesquisadores também constataram que as relações mais satisfatórias e que tinham maior tendência de se sustentar por muito tempo eram justamente as relações em que os casais se relacionavam por motivos intrínsecos. Isso é muito interessante, você não acha? Você já parou para pensar no que motiva as suas relações? Será que você tem se relacionado por motivos extrínsecos ou intrínsecos?

Para concluirmos, as relações interpessoais são a forma mais imediata de relações entre indivíduos. As relações, porém, também se desenvolvem dentro de estruturas que devem ser levadas em consideração. Essa é a segunda forma de relação: as relações institucionais.

  1. As relações institucionais

Não se pode reduzir as relações somente a aspectos puramente intersubjetivos, de indivíduo para indivíduo. A maioria das relações, na verdade, não são simples e diretas. Elas se desenvolvem sempre no interior de um meio social especifico.

Os meios sociais dos quais fazemos parte possuem estruturas de diversas instâncias, entre as quais se encontram as instituições. A família, a escola, o trabalho, a igreja, entre outros, são exemplos de instituições das quais fazemos parte.

Assim, não se pode deixar de considerar a realidade social e institucional na qual uma relação se inscreve. O que verdadeiramente configura uma relação institucional é a forma organizada de se relacionar, situando os indivíduos em um sistema estabelecido segundo a função, o papel ou posição social ocupada por cada um.

Esse modelo de organização é o que determina como as relações irão se desenvolver. Um modelo burocrático, por exemplo, cria um modelo de relacionamento através de regras estritas. O modelo de relacionamento dentro de empresas muitas vezes assume uma característica de impessoalidade, onde os indivíduos não se relacionam interpessoalmente, mas apenas de função para função.

O fato de as instituições regularem as relações segundo modelos de atividade cria relações desiguais, que se expressam através de um desequilíbrio de poder. As relações institucionais são sempre relações de poder. Elas acontecem sempre em meio a situações onde se expressam posições de superior – subordinado. Isso é claramente perceptível em instituições com hierarquias rigidamente definidas e consolidadas como por exemplo na Polícia Militar e nas Forças Armadas: um superior dá ordens e os subordinados são compelidos a obedecer, sob pena de detenção por insubordinação e desobediência hierárquica caso se recusem.

Não apenas nessas instituições militares as relações institucionais são relações de poder. Isso também existe de modo mais ou menos análogo, embora menos severo, dentro de empresas e famílias, nas relações entre patrão – empregado; professor – aluno; pai – filhos, etc. Nessas relações institucionais, existe sempre uma parcela desigual de poder entre as partes, na qual uma possui sempre uma autoridade maior que a outra. Uma das partes ocupa uma posição institucional que lhe confere meios de impor aquilo que ele quer sobre a outra parte.

Essa percepção evidencia o caráter conflitante dessas relações. Toda relação institucional é uma relação de conflito. Geralmente as pessoas têm tendência a negar essa realidade, e considerar todo conflito como “ruim”. Na verdade, o caráter conflituoso das relações é inerente a toda relação institucional. Toda sociedade cria organizações e estruturas que produzem diferenciações e separações entre os indivíduos. Essas diferenciações estabelecem necessariamente um sistema de desigualdade.

É por isso que não se deve entender esses conflitos apenas como mal-entendidos, desentendimentos ou sentimentos negativos entre indivíduos. Podemos entender facilmente a natureza desse conflito quando percebemos que os indivíduos que são demandados a fazer algo nesse tipo de relação não possuem os mesmos motivos nem interesse que a pessoa que está na posição de demandar. Isso cria, naturalmente, um conflito de interesses.

  1. As relações sociais

A terceira forma principal de relação são as relações sociais. Essa forma coloca em evidência o contexto, as classes e posições sociais ocupadas pelos indivíduos. Toda relação é social, nesse sentido, pois se dá dentro de uma sociedade. Podemos considerar uma sociedade como sendo uma repartição de grupos diferentes em um mesmo território e compartilhando critérios econômicos, culturais, linguísticos, etc.

Essa repartição de grupos diferentes revela uma separação e uma categorização de posições e classes sociais distintas. Há alguns séculos atrás a mobilidade social era extremamente rara e existiam castas sociais hereditárias, como por exemplo nobres, aristocratas, plebeus, escravos, etc. Atualmente o critério de divisão e separação é majoritariamente econômico, embora infelizmente ainda exista também uma forte divisão social baseada em critérios raciais e de gênero.

Portanto, cada relação também compreende uma distância social entre as posições ocupadas pelos indivíduos envolvidos.  Além dessa distância, existe também um nível de diferenciação entre indivíduos e grupos que marca toda relação social.

Quando se investiga interações intergrupais, trata-se necessariamente de relações sociais. E as relações entre grupos sempre envolvem uma experiência de diferenciação. Essa experiência se manifesta como uma forma de se singularizar, de tornar visível certas diferenças que o caracterizem e diferenciem de outros grupos

Essa experiência é perfeitamente normal em relações intergrupais. Torcedores de algum determinado time de futebol vestem camisas com cores especificas para se diferenciarem de torcedores de outros times.  Alguns grupos sociais usam cortes de cabelos específicos, brincos, roupas e calçados que os diferenciem e singularizem em relação a outros grupos. É comum vermos isso de forma estereotipada em filmes de adolescentes em que existem divisões claras de tribos, como por exemplo os nerds, os atletas, as líderes de torcida, etc.

Existem, entretanto, alguns fenômenos sociais problemáticos que surgem como efeito dessa experiência de diferenciação. Quando existe uma forte necessidade de se singularizar através da acentuação de diferenças internas, essa diferenciação intergrupal aumenta a distância que existe entre os grupos, criando uma visão dicotômica do mundo que funciona da seguinte maneira: ‘’Nós / Eles” ou “Nós / Os Outros”.

Essa categorização simplória do mundo cria um mecanismo de valorização e desvalorização de indivíduos pertencentes a outros grupos conforme o grau de distância e diferenciação que apresentam. Esse mecanismo está intimamente relacionado a atitudes racistas e preconceituosas enraizadas na cultura de nossa sociedade, por exemplo.

Essas são as três principais formas de relações estudadas. Para concluirmos, gostaria de acrescentar apenas que, permeando todas as essas formas, existe ainda um outro elemento importante a ser levado em consideração: o contexto.

O contexto relacional, tanto em relações interpessoais, institucionais ou sociais, é o que determina o papel que cada indivíduo assume. Toda relação acontece entre determinados papéis. A relação coach/coachee, por exemplo, compreende dois papéis bem definidos dentro de uma sessão. Fora de atendimento, porém, a pessoa que estava no papel de coach, irá naturalmente assumir outros papéis, como o papel de pai, de filho, de esposo, de cidadão, etc.

Nas relações, os papéis que assumimos são extremamente importantes pois eles estabelecem um parâmetro de interação social segundo as normas de cada contexto.

A TEORIA DO APEGO DE JOHN BOWLBY

Agora que sabemos um pouco mais sobre os três principais tipos de relações, gostaria de retomar nosso foco em relações interpessoais para aprofundarmos um pouquinho mais no desenvolvimento e estabelecimento de vínculos.

Para nos auxiliar nesse percurso, utilizaremos uma teoria proposta inicialmente por John Bowlby chamada Attachment Theory[2], cuja tradução mais comum é Teoria do Apego, embora também seja possível encontrar traduções que utilizem Teoria do Vínculo. De qualquer forma, a teoria de Bowlby é construída sobre o princípio da necessidade humana de se relacionar.

Nascido no ano de 1907, John Bowlby foi um célebre psiquiatra e psicólogo britânico. Teve uma relação relativamente distante com seu pai, devido ao período de guerras, que o obrigou a deixar o cuidado da casa e das crianças com enfermeiras e empregados domésticos.

Com uma aptidão extraordinária para os estudos, Bowlby logo demonstrou uma alta capacidade intelectual e um excelente desempenho escolar. Estudou medicina na Universidade de Cambridge, e nesse período trabalhou em uma escolha para crianças com distúrbios. Essa experiência foi provavelmente decisiva para a carreira de Bowlby, que dedicou grande parte de sua vida a estudar vínculos e propor políticas sociais melhores para crianças e adolescentes.

Junto com seus estudos de medicina, John Bowlby estudou também psicanálise. Em 1937 Bowlby já era um psicanalista e psiquiatra qualificado quando começou a estudar análise de crianças com Melanie Klein. Bowlby, contudo, nunca foi um psicanalista convencional. Como sua formação primária era em medicina, Bowlby logo percebeu que, embora Freud tenha usado métodos científicos de investigação em seus trabalhos, esse já não era mais o caso da psicnálise de sua época. Para Bowlby, a psicanálise estava deixando de ser uma ciência baseada em dados concretos e adentrando cada vez mais no campo da filosofia.

Aliado a isso, até a década de 1950 a visão que predominava era a de que os vínculos se estabeleciam a partir da necessidade de satisfação de instintos como fome e sexo. Bowlby, porém, formulou uma concepção diferente: ele acreditava que existe no ser humano uma propensão inata para o contato com outros seres humanos.

A maior parte de sua vida foi dedicada à pesquisa e à observação de crianças e da relação entre mãe – filho (ou cuidador – criança). Suas obras mais conhecidas são a trilogia: Attachment (Apego), Separation (Separação) e Loss (Perda), publicadas entre 1969 e 1980. No fim de sua vida, dedicou-se ainda a escrever uma biografia de Charles Darwin, que conseguiu publicar pouco antes de sua morte. John Bowlby faleceu no dia 2 de setembro de 1990, com 83 anos de idade..

A teoria do apego (attachment theory) é sua produção mais largamente estudada pela psicologia e outras ciências humanas. Essa teoria também teve a contribuição de outros nomes importantes como Mary Ainsworthing, responsável por importantes ampliações teóricas.

A premissa básica da teoria do apego é a de que os seres humanos nascem com uma predisposição biológica para comportamentos de apego e de vínculo. Esses comportamentos direcionados ao primeiro cuidador (seguir com os olhos, sorrir, agarrar-se) são pré-determinados biologicamente como consequência da evolução da espécie.

A unidade mais básica e primária de convívio humano é uma mãe com seu bebê. Essa unidade pode incluir outros cuidadores secundários, como o pai da criança, avós, irmãos, etc. Essas pessoas representam o círculo social do indivíduo recém-nascido. O desenvolvimento humano pode ser visto, a partir dessa perspectiva, como um processo de vinculação e de comportamentos de apego para com o cuidador primário e outras pessoas importantes do seu círculo social.

Para Bolwby, o processo de vínculo e de apego se inicia desde a vida intra-uterina, dentro da barriga da mãe. Durante a gestação, desde a concepção até o parto, o bebê já começa a receber diversos estímulos, além de ser afetado também pelo estado emocional da mãe. É por isso que o tipo e a qualidade da vivência do processo de gestação como um todo, incluindo ou não aspectos como estresse, uso de álcool e outras drogas, qualidade do sono, tudo isso influencia direta e indiretamente na formação do nascituro.

E o que isso quer dizer? Sabe aquela ideia comum do imaginário popular de que para alguns psicólogos tudo é culpa da mãe ou de traumas na infância? Pois é, isso quer dizer então que nossas escolhas e nosso padrão de comportamento dentro de relacionamentos é tudo culpa das nossas mães? Eu respondo: sim e não… Não é culpa das nossas mães, mas é influenciado por ela, assim como por muitas outras pessoas e estruturas sociais.

Essa concepção de que tudo é culpa da mãe está, na verdade, partindo de um pressuposto errado. Quando pensamos em termos como “culpa” ou “responsabilidade”, acabamos desviando o foco sempre para uma ou outra pessoa específica, ao invés de forcarmos na relação entre essas pessoas. O que a psicologia pontua, de forma geral, é que a relação com o cuidador primário, desde o nascimento, influencia todo o desenvolvimento emocional e psíquico de uma criança. Isso não quer dizer que tudo esteja nas mãos dos pais, mas sim que a relação estabelecida entre os pais e a criança constitui um fator importante nesse processo.

Portanto, isso não significa que essa influência seja determinante para toda a vida adulta de forma fixa. Todas as relações humanas influenciam no desenvolvimento dos humanos envolvidos. A relação com a mãe ou com um cuidador primário é, obviamente, a relação mais importante dos primeiros anos de vida. A própria sobrevivência depende dessa relação. Portanto, é evidente que essa relação irá influenciar modelos de comportamento e de relacionamento, assim como mais tarde outras influências também se tornarão cada vez mais atuantes, como por exemplo escola, professores, amigos, etc.

O crescimento e a maturação das crianças humanas é fundamentalmente universal, embora apresente algumas diferenças culturais em algumas sociedades. Conforme se desenvolve, a criança inicialmente cria vínculos se apega às figuras mais próximas de seu círculo, para em seguida se relacionar com outras figuras de outros grupos, aumento o diâmetro de seu círculo social. Na maioria das sociedades ocidentais, esse processo tradicionalmente culmina na transferência do vínculo e do apego familiar para um vínculo com um parceiro sexual através do matrimônio.

Os vínculos de apego primário, segundo a teoria do apego, configuram uma espécie de “porto seguro” para os relacionamentos posteriores. A mãe constitui uma base segura a partir de onde a criança pode explorar o mundo sabendo que possui um “refúgio” para onde retornar. Sem essa base segura, o interesse e a capacidade da criança em explorar o mundo sofre interferências. Sem uma base segura, sentimos ansiedade e medo do incerto.

Isso faz parte da premissa evolutiva e adaptativa da teoria do apego: a seleção natural primou por indivíduos humanos que apresentavam comportamento de apego para com seus cuidadores. Crianças que apresentavam maior disposição inata para comportamentos de apego, e que possuíam cuidadores com quem estabeleciam vínculos, possuíam chances muito maiores de sobreviver a ameaças externas como predadores e perigos ambientais.

Nem todo vínculo, porém, é igual. Diferentes tipos de apego podem emergir a partir de diferentes tipos de interação que cuidadores tem com crianças. Crianças desenvolvem um apego do tipo “seguro” com cuidadores que são receptíveis e atentos a elas, mostrando-se disponíveis sem serem intrusivos. Essas crianças que criam um apego seguro apresentam comportamentos visivelmente diferentes em relação a crianças cujo vínculo de apego não é de segurança.

A teoria do apego propôs a um sistema de classificação do apego do bebê em relação aos cuidadores que se resume a três tipos: apego seguro; apego inseguro-evitativo; e apego inseguro-ambivalente. Essa tipologia foi construída a partir das contribuições de Mary Ainsworthing, que realizou um experimento de observação chamado Strange Situation (Situação Estranha), onde coletava dados da interação entre mãe e criança juntas, da criança sozinha e da criança com uma pessoa estranha (no sentido de desconhecida).

Nesse sentido, o primeiro de ano de vida é bastante intenso e importante, pois são nesses primeiros meses de vida que a criança cria e estabelece os primeiros vínculos e a primeira relação de apego. O primeiro apego é sempre direcionado à figura materna, embora Bowlby deixe bastante claro que essa figura pode ser também tanto um homem quanto uma mulher que ofereça os primeiros cuidados, independentemente de laços sanguíneos.

Os bebês nascem com um interesse especial para rostos e expressões humanas e são também perceptivelmente mais atraídos por vozes humanas do que por outros estímulos sonoros. Toda criança nasce com uma predisposição para manifestar desconforto quando percebe que não está em contato com nenhum outro humano. Esse mecanismo atua como forma de trazer de volta o adulto cuidador. Por isso recém-nascidos choram quando são deixados sozinhos por períodos de tempo maior do que ele é capaz de tolerar. Esse choro é um mecanismo importante pois garante a sobrevivência do bebê: sem um cuidador por perto que o alimente e proteja, sua vida está em risco.

Por volta dos oito meses de vida, os bebês já criam um forte apego com seus cuidadores primários, sendo capazes de identifica-los e diferencia-los de outros adultos que também se ocupam de seus cuidados. É nessa fase que começam a surgir certas ansiedades quando a criança é deixada com um cuidador desconhecido.

Na teoria do apego, o vínculo é definido como uma relação durável para com um indivíduo único que não pode ser substituído por outras pessoas. Por isso a partir dos oito meses aumenta a ansiedade dos bebês em relação a pessoas de fora de seu círculo social familiar.

Bowlby nunca propôs uma divisão rigorosa das etapas de desenvolvimento. Sua concepção era muito mais dinâmica, por isso existe uma flexibilidade grande com relação a idade em que ocorrem essas fases. Em geral, no primeiro ano de vida pelo menos um vínculo de apego surge, seja essa relação “boa” ou “ruim”. Até os três anos de idade, existe uma necessidade de proximidade muito grande. Até essa idade, a criança é ainda muito dependente de um cuidador. Esse é considerado como o período crítico para as representações relacionais que a criança desenvolve e que servirão como modelo para suas relações futuras.

A partir dos três anos, a tolerância da criança para aguentar a ausência da mãe aumenta significativamente. Ela se torna capaz de entender que cada pessoa possui uma vida própria, com desejos e necessidades próprias. É nesse período também que se desenvolve melhor a linguagem verbal.

Já na adolescência, as relações se direcionam muito mais para fora do círculo familiar do que para dentro. Nessa fase, outros adolescentes passam a se tornar tão importante quanto os próprios pais. No ocidente, a adolescência é comumente associada a rebeldia e a superação da dependência familiar pois é nesse período que o adolescente cria novos vínculos de apego com outros indivíduos da mesma faixa etária. Surge também o interesse sexual, o interesse por namoros e relações afetivas e até mesmo as primeiras experiências sexuais.

Todas essas fases influenciam, evidentemente, nos relacionamentos da fase adulta. Estudos realizados por Mary Main e outros colaboradores[3] constataram que, mesmo com histórico de apegos inseguros ou insatisfatórios na infância, muitos adultos mostravam-se seguros e autônomos e capazes de criar uma narrativa coerente acerca de sua própria história.

Nós que trabalhamos com coaching temos muitos exemplos concretos desses casos. Embora as interações, os vínculos e o apego vivenciados na infância sejam extremamente importantes para o desenvolvimento e estabelecimento de relacionamentos seguros na idade adulta, essas vivências não são decisivas. Não é o comportamento dos pais que define necessariamente os tipos de relação que um indivíduo mantém na idade adulta, mas sim a forma como esse indivíduo percebe e conta a sua própria história.

Isso é algo que eu sempre falo em meus cursos e palestras: ressignificação é a chave para se potencializar. Os pesquisadores da teoria do apego chamam isso de modelos representacionais internos. Eu prefiro uma linguagem mais simples e mais direta. Nós, no coaching, podemos utilizar diversas ferramentas para proporcionar a ressignificação da história do coachee. Saber honrar e respeitar a própria história não seria, afinal, uma forma de estruturar seus modelos representacionais internos? Eu acredito que sim.

RECAPITULANDO

Para concluirmos, deixo elencado as principais hipóteses da teoria que acabamos de estudar.

  • Existe uma predisposição biológica para a formação de vínculos e de apego. Esses vínculos, porém, são moldados de acordo com a relação interpessoal entre criança e cuidador. Cada caso pode ter suas particularidades e idiossincrasias.

 

  • As experiências dos primeiros relacionamentos da vida de todo ser humano criam modelos internos de vinculação e estilos de apego que afetam todos os relacionamentos interpessoais futuros. Em outras palavras, todos os relacionamentos da vida adulta podem sofrer, em algum grau, influência direta dos relacionamentos experienciados desde o nascimento, passando pela infância e adolescência até a idade adulta.

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  • Os tipos de vínculo e estilo de apego que uma criança desenvolve são diretamente influenciados pelo tipo de vínculo e apego que seus adultos cuidadores têm e manifestam.

 

  • Os modelos de relacionamento, de vínculo e o estilo de apego desenvolvidos são relativamente estáveis e podem perdurar até a idade adulta, porém eles não são definitivos e podem sim sofrer mudanças e alterações. Novas experiências de apego, novos vínculos, ressignificações da própria história, entre outras experiências, podem causar mudanças significativas na forma como um indivíduo adulto se relaciona.

Essas hipóteses são fruto de mais de 30 anos de pesquisa e investigação sobre a formação de vínculos em humanos. Espero que você tenha gostado e que possa ter tido um vislumbre da complexidade que é abordar um tema como relacionamento entre seres humanos. Mas eu gosto sempre de dizer: quanto mais difícil for a tarefa, mais gratificante será o resultado.

[1] Para maiores detalhes, ver: Walster, E., Aronson, V., Abrahams, D., & Rottman, L. (1966). Importance of physical attractiveness in dating behavior. Em: Journal of Personality and Social Psychology. 1966. Vol 4. No 5, 508-516.

[2] Para maiores detalhes, ver: Bowlby, J. (1969) Attachment and Loss: Attachment. London: Hogarth Press.

[3] Acerca desse estudo, ver: Main, M., Kaplan, N., & Cassidy, J. (1985). Security in infancy, childhood, and adulthhood: A move to the level of representation. Em I. Bretherton & E. Waters (Org.), Growing points of attachment theory and research. Monographs of the Society for Research in Child Development, 50, 66-106.

  • Os tipos de vínculo e estilo de apego que uma criança desenvolve são diretamente influenciados pelo tipo de vínculo e apego que seus adultos cuidadores têm e manifestam.

 

  • Os modelos de relacionamento, de vínculo e o estilo de apego desenvolvidos são relativamente estáveis e podem perdurar até a idade adulta, porém eles não são definitivos e podem sim sofrer mudanças e alterações. Novas experiências de apego, novos vínculos, ressignificações da própria história, entre outras experiências, podem causar mudanças significativas na forma como um indivíduo adulto se relaciona.

Essas hipóteses são fruto de mais de 30 anos de pesquisa e investigação sobre a formação de vínculos em humanos. Espero que você tenha gostado e que possa ter tido um vislumbre da complexidade que é abordar um tema como relacionamento entre seres humanos. Mas eu gosto sempre de dizer: quanto mais difícil for a tarefa, mais gratificante será o resultado.

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