Seria possível apontar alguma característica em comum entre Beethoven, Machado de Assis e Van Gogh, além do fato de eles todos serem artistas grandemente reconhecidos? A resposta para essa pergunta é sim: todos sofriam de instabilidade mental, apresentando características que hoje associamos muito de perto com a depressão.
Isso pode ser dito de tantos outros grandes artistas que parece até ser uma constante: Virgínia Woolf, Clarice Lispector, Paul Celan, Edvard Munch, Whitney Houston… A lista é realmente extensa, e não se restringe a uma área; entre os poucos nomes citados, temos romancistas, poetas, músicos e pintores. Parece até haver algum tipo de correlação entre a dedicação à arte e a doença.
Hoje em dia, podemos ver instabilidade emocional ou mental entre tantos artistas que faz sentido questionar se esses sintomas não seriam resultado, na verdade, da agitadíssima vida de fama e de falta de privacidade. É uma excelente pergunta quando pensamos em figuras como Michael Jackson ou Lady Gaga, mas, se nos concentrarmos em figuras, por exemplo, de uma área menos glamorosa como os escritores, que raramente são alvos desse tipo de assédio, veremos que neles os sintomas de depressão parecem se manifestar a partir de causas mais internas.
A escritora americana Sylvia Plath, por exemplo, que lutou contra a depressão ao longo da vida e cometeu suicídio aos 30 anos, nos dá, em The unabridged journals of Sylvia Plath uma ideia do que passava por sua cabeça:
I can never read all the books I want; I can never be all the people I want and live all the lives I want. I can never train myself in all the skills I want. And why do I want? I want to live and feel all the shades, tones and variations of mental and physical experience possible in my life. And I am horribly limited.
Eu nunca poderei ler todos os livros que quero; eu nunca poderei ser todas as pessoas que quero e viver todas as vidas que quero. Eu nunca poderei me treinar em todas as habilidades que quero. E por que eu quero? Eu quero viver e sentir todas as nuances, tons e variações de experiências físicas e psíquicas possíveis em minha vida. E eu sou horrivelmente limitada. [Tradução livre.]
Vemos uma mulher com um senso exploratório destacado e poderoso, praticamente implacável, e uma dolorosa consciência de limitação humana em confronto. De alguma maneira, podemos dizer que esse tipo de impulso está presente em todos os artistas: todos buscam alguma coisa — muitas vezes não identificada por eles mesmos — na prática artística, valendo-se de técnicas desenvolvidas a duras penas, e muitas vezes encontram valor e significado na produção em si. É particularmente dramático o caso de Beethoven, que desenvolveu surdez por volta dos 26 anos, agravando sua depressão e suas tendências suicidas.
No caso de Beethoven, vemos uma pessoa diante da qual se ergue uma barreira que parece intransponível: o compositor já emocionalmente muito instável depara-se com uma condição que lhe arranca a capacidade de ouvir. No caso de Sylvia Plath, seu desejo infinito por experiência não poderia, para ela, jamais ser realizado, dada a própria natureza da condição humana. É interessante notar como a inclinação para a arte, ao mesmo tempo em que tem entre suas causas o quadro depressivo dessas duas personalidades, coloca em evidência esses quadros e é como que um mecanismo para lidar com ele.
Sylvia Plath, depois de resistir por muitos anos, cometeu suicídio em 1963, deixando uma obra e um legado. Fisicamente, ela jamais esteve em todos os lugares, mas pode-se dizer que ela hoje se faz presente em muitos cantos da Terra, e que muitas pessoas (não todas, como talvez desejasse) honram e admiram a herança deixada por ela.
Beethoven conviveu com a instabilidade mental e a depressão até o fim de seus dias. Sua morte é objeto de várias controvérsias, mas não parece haver hipótese de que a causa tenha sido suicídio. Diante de um inimaginável obstáculo para um músico deprimido — a surdez —, Beethoven compôs praticamente todas as suas obras-primas. Muitos consideram a Eroica como início do movimento romântico na música erudita.
Seres humanos são mesmo capazes de feitos inacreditáveis. Há pessoas que, diante de dificuldades extremas, situações aparentemente intransponíveis, não só a superam, como excedem todos os parâmetros; Beethoven fez isso por meio da criatividade e da sensibilidade na música, e há tantas outras artes, ciências, ocupações, enfim, áreas da vida em que é possível fazer um movimento parecido!
A escala, a magnitude da superação não é a parte mais importante. Até porque o tamanho dos problemas a serem superados depende do contexto em que cada pessoa se insere, além de não caber a nós julgar qual é o tamanho do desafio ou da situação de outras pessoas. Portanto, uma grande lição a ser tirada da trajetória de Beethoven é que, naquele que parece ser seu maior obstáculo, seu maior desafio, pode estar um portal para uma nova fase de conquistas que, talvez, antes você nem imaginava. Nos contos do lendário Rei Arthur, na busca pelo Santo Graal, o conselho era que cada cavaleiro buscasse, na floresta, começando pelo ponto que parecesse o mais escuro para si.
 
Copyright: 610554242 – https://www.shutterstock.com/pt/g/c+z