A expressão “sou filho, logo existo” é um pensamento que desenvolvo já há alguns anos e que é base para uma parte da formação que chamo de Coaching com alma. Essa reflexão, “sou filho, logo existo”, nasceu de um pensamento muito simples, mas essencial e permanente: qual é o sentido da nossa existência? A resposta a essa questão vem sendo formulada desde a antiguidade, por filósofos e religiosos. A resposta mais repetida foi formulada pelo pensador René Descartes: “penso, logo existo”. Tal expressão coloca o centro da existência na racionalidade humana. O homem, pela capacidade de pensar, se coloca no mundo como um ser. Fora do pensamento, a existência seria nula.

O pensamento é, sem dúvida, a capacidade humana mais impressionante. Recentemente, escrevi um livro extraordinário chamado Superinteligência, nele, abordo o ilimitado que reside na mente humana. Mas, o pensamento não pode ser a única coisa que caracteriza a nossa existência. Eu pensava: deve haver algo menos egoíco que nos represente como condição humana, eu não posso ser o centro de um mundo onde residem tantas outras almas.

Fui então trilhando um caminho mais sensível da existência humana, procurando questões que antecedessem ao pensamento, mas que também estivessem ligadas a ele. Entrou em cena, então, algo que se tornou uma das minhas metodologias mais significativas: a nossa história de vida. Nós somos a percepção que temos de nós mesmos. E não há como falar de nossa história sem pensar onde ela começa, e, assim, chegamos à nossa mãe.

Há diversas coisas que podemos ser ou não ser. Podemos ser ou não grandes pensadores. Ser ou não grandes empresários. Ser ou não irmãos, tios ou primos. Nossa única e indiscutível condição é sermos filhos. Não há possibilidade de escolha. Todos nós somos filhos. Ponto final.

Então, o que significa para a nossa existência sermos filhos? Nossa história começa quando nos percebemos no seio de uma família e, dentro dessa família, conhecemos os laços que ligam esses indivíduos. Sabemos que as famílias são muito diversas, o padrão tradicional de família com pai, mãe e irmãos já não é uma regra. Então, podemos pensar que uma criança pode descobrir na sua realidade familiar laços diversos: o tio, a avó, a irmã, o primo, e mesmo laços que são afetivos, quando não se tem, desde a infância, uma família biológica. Mas em algum momento cada criança saberá que há alguém que o gerou e o concebeu e, sem o qual não estaria vivo neste mundo.

Ser filho é uma condição. Todos somos filhos. Ser filho é uma condição para a própria existência. Somos sistêmicos e vivemos em um Universo sistêmico. Temos o direito de pertencer aos diversos sistemas onde nós estamos, e devemos reconhecer que antes de qualquer sistema, como o seu grupo profissional, sua igreja, seus amigos, você é filho. Quando você nasce você é filho de alguém.

Sua mãe e pai biológicos foram responsáveis pela sua chega a este mundo. Isso é um fato e independe de muitas coisas. Independe de que você conheça ou não seus pais, que você tenha ou não afinidade com eles, independe de que estejam vivos ou não.

PSC

Este laço biológico é um laço extremamente forte. Ao vir ao mundo, temos uma alma ligada a um corpo que foi concebido na junção de dois sistemas biológicos (um feminino e outro masculino). O laço biológico, genético, não é o único laço que temos com essas pessoas. Esse laço compõe o nosso corpo, mas toda a ancestralidade, toda a parte espiritual e subjetiva dessas pessoas também nos afeta.

Ao sermos gerados em um ventre, nos vemos inseridos em outros sistemas que ultrapassam o biológico, esses sistemas são esquemas de crenças, comportamentos e padrões mentais e espirituais. Nós somos indivíduos, mas carregamos o peso de uma existência que começou antes da nossa concepção.

Nossa família é um campo de energia no interior do qual nós evoluímos. Somos filhos e por isso somos herdeiros também desse campo. Ele pode ser mais leve ou mais pesado, e isso não é uma escolha nossa. Nossa escolha começa em responder: como devo me comportar dentro desse sistema do qual faço parte? Como eu contribuo para minha evolução e de minha família – eu só existo, por ser filho.

Mas há algo muito importante nesse processo: você tem o poder de repetir infinitamente os padrões sistêmicos de sua família. Você já ouviu falar em Inconsciente Coletivo Familiar? Essa teoria pressupõe que a herança que recebemos de nossos antepassados é muito mais importante do que podemos imaginar.

Nós herdamos inconscientemente de nossos familiares todas as suas vivências, experiências, bem como os traumas vividos ao longo das gerações que nos antecederam. Desse modo, mesmo sem conhecer seus parentes biológicos você herda a história deles, isso faz com que se crie um sistema de redes de pertencimento, comportamento, crenças e valores.

A maior mentira que você pode contar para si mesmo é algo como: “meus pais não me amaram, por isso sou alguém tão problemático e inseguro” ou “eu tenho esse medo de enfrentar a vida porque fui abandonado quando nasci” ou mesmo “minha mãe e meu pai me batiam e hoje não consigo tocar a minha vida”.

Não quero que você entenda que estou desprezando a história de vida de cada um! Jesus toma conta! Eu sou a pessoa que mais honra e respeita as histórias e feridas. Eu sei, todos nós sabemos, que tudo que acontece deixa marcas em nós. Mas tudo o que você se torna é fruto de uma permissão sua.

Nós somos as únicas pessoas capazes de nos fazer mal. Ninguém pode fazer mal a você, a menos que você permita, mesmo que inconscientemente. Logo, sua mãe e seu pai, biológicos ou afetivos, as pessoas com as quais você conviveu e que ocuparam esse lugar, foram as melhores pessoas que puderam ser. Não importa o que eles fizeram (ou não fizeram) para você.

O que realmente importa, e que pode mudar a sua vida, é a forma como você lidou com tudo isso que te aconteceu. O que vem de fora entra em contato com sua essência e se transforma. Essa transformação pode ser algo que te edifique e contribua para sua evolução ou algo que te deixe cada vez mais vulnerável e cabisbaixo. É você quem decide.

Quando falo isso estou falando para você de poder e de afeto. Sabe o que significa afeto? Significa afetar e ser afetado. Nossa relação com as pessoas, quando é afetiva, nos modifica e modifica os outros. Nós nos afetamos mutuamente. Devemos trabalhar para que esse afeto haja sempre no princípio mais construtivo. O afeto nos coloca em contato com a infinita lei do retorno.

É bom lembrar que não é apenas o Universo que é infinito, você também é. A vida tem uma forma circular, assim como o Universo. A família também é um círculo, um sistema, um processo. Pelo círculo que é a vida, você pode acessar o seu passado e também o seu futuro. Ao acessar o seu passado você vai de encontro ao irremediável: à sua filiação. Nós viemos ao mundo para nos relacionar. Logo, ser filho é a metáfora do pertencimento e das relações humanas. Pertencer e se relacionar, talvez esse seja o principal sentido da vida humana.

Pensando metaforicamente, somos filhos de duas pessoas que nos proporcionaram a vida e a experiência humana. Devemos ser gratos a essas pessoas. Sejam elas quem forem, estejam onde estiverem. Mas também somos filho de um Universo. Vivemos um sistema natural que não diferencia os seres. Afetamos a natureza e somos afetados por ela, estamos, junto com ela, em constante construção e transformação.

E também, se fizer sentido para você, somos filhos de um ser maior ao qual eu chamo de Deus. Eu sou cristão e tenho o Deus cristão como meu pai e criador. Mas isso só deve ser considerado se fizer sentido para você. Para mim, ser filho de Deus é também pensar que minha relação não se dá apenas com os humanos e os seres que habitam este mundo, mas que me relaciono direta e constantemente com o transcendente, o espiritual, o metafísico, o cósmico.

Minha filiação está além da terra, chega a alcançar o céu, ou o infinito – isso também pode ser metafórico e você pode criar uma metáfora que faça mais sentido para você. A linguagem, nesse caso, tem uma importância pequena. Não importa o nome que você dê a esse ser que pode ou não pertencer ao seu sistema de crenças.